quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Entendendo o Mal da Altitude: um resumo de tudo que você precisa saber!!!

É inegável que todos acham deslumbrante a visão que se tem no cume de uma alta montanha e é justamente essa contemplação que leva muitos a buscarem essa experiência. Entretanto é muito importante entender que a escalada em altitude possui riscos e um dos principais, se não o principal, é a hipobaropatia.


Deslumbrante nascer do sol a aproximados 6000m de altitude na ascensão do Huayna Potosi (Bolívia). Para conseguir imagens como essa é necessário todo um processo de aclimatação.

A hipobaropatia, também é conhecida como mal da montanha, doença da montanha, doença da altitude, doença da montanha ou ainda doença aguda da montanha, é causada pela diminuição da disponibilidade de oxigênio em altas altitudes. Entendê-la é fundamental para quem deseja praticar algum esporte em altitudes muito elevadas.

A altitude é classificada em baixas (300 – 1.000 metros) de altura, média (1.000 e 2.438 metros), alta (2.438 – 3.658 metros), muito alta (3.658 – 5.500 meters) e extremamente alta (˃5.500). A maioria das pessoas pode subir de 1.500 a 2.000 metros em um dia sem problemas, mas cerca de 20% das pessoas que sobem a 2.500 metros e 40% das pessoas que sobem a 3.000 metros sofrem de alguma forma de doença da altitude. Entretanto, se você já esteve antes acima de 3500 metros sem apresentar qualquer tipo de complicação é muito provável que não terá problema quando retornar, desde que bem aclimatado.


Nesse contexto é importante entender o que causa o mal de altitude. Em nível do mar a pressão barométrica é de 760 mmHg e medida que se sobe esse valor vai diminuindo ao ponto que a 3600 m é de apenas 483 mmHg. Sendo assim em cada respiração inala-se quase 40% menos O2, uma vez que a concentração desse permanece a mesma no ar atmosférico (21%) mas com menor pressão as partículas tendem a se dissipar.

Para suprir essa falta de oxigênio o nosso corpo aumenta a freqüência respiratória e conseqüentemente ao aumento de O2 na corrente sanguínea. Entretanto essa hiperventilação não é suficiente para deixar os níveis de O2 iguais aqueles que o indivíduo apresenta ao nível do mar e como a necessidade por oxigênio no organismo não muda diante do esforço físico o corpo precisa se adaptar a essa menor oferta. Ainda por razões não bem compreendidas a altitude elevada e baixa pressão atmosférica fazem com que os fluídos vazem dos capilares, podendo ocasionar acúmulo de fluídos nos pulmões e cérebro. Tais complicações são extremamente graves para a saúde, principalmente em locais inóspitos e de difícil acesso.

A principal causa para a doença de altitude é subir muito rápido, sem dar tempo para o seu corpo se adaptar a menor oferta de oxigênio. Dar tempo para o seu corpo se adaptar a essas condições é chamado no montanhismo de aclimatação e geralmente leva de 1 a 3 dias. Por exemplo, se você sobe a 3000 m e permanece ali por alguns dias o seu corpo irá se acostumar a essa altitude. Subindo depois a 3600 m o seu corpo terá que se adaptar novamente. Sendo assim, a cada nova ascensão o seu corpo irá ter que fazer uma nova adaptação para a cada vez menor pressão atmosférica e conseqüente menor oferta de O2. Enquanto nesse contexto o corpo de uma pessoa precisa se adaptar a menor oferta de ar, em contrapartida, também irá precisar de ainda mais O2 caso esteja realizando uma atividade física intensa como escalar uma alta montanha.

As principais mudanças que ocorrem no corpo para que ele possa trabalhar com a menor oferta de O2 são:


👉 Aumento da freqüência respiratória

👉 Aumento da freqüência cardíaca

👉 Aumento da pressão nas artérias pulmonares

👉 Aumento da produção de glóbulos vermelhos

👉 Aumento da produção de enzimas que facilitam a liberação da hemoglobina das hemácias para os tecidos


A prevenção para o mal de altitude segue basicamente duas linhas principais: aclimatação e uso de medicação preventiva.

Em uma correta aclimatação:

Se voar do nível do mar para uma altitude de 3000 m é recomendado que não faça esforço físico durante as primeiras 24 horas, subindo 300 m por dia e tirando um dia de descanso a cada 900 m ganho.


“Climb High and sleep low” ou escale alto e durma baixo é um termo muito comum no montanhismo e muito eficiente para se evitar as complicações causadas pela doença de montanha. É basicamente subir cerca de 300 m em um dia para depois retornar ao ponto anterior e pernoitar em menor altitude.


*Projeto para subir uma montanha de 7000 metros baseado no modelo "suba alto e durma baixo". Os pontilhados é ascensão feita por carro, linhas vermelhas é o período de repouso em altitude e as linhas pretas verticais correspondem a escalada. Escala da altitude em metros.

“Don’t go up until symptoms go down” ou seja, não suba até os sintomas diminuírem. Caso apresente sintomas moderados de mal de montanha não deve ganhar altitude até que desapareçam e se os sintomas aumentarem é preciso descer.

Beba muito líquido. A aclimatação é acompanhada de perda de fluídos corporais e por isso é preciso beber de 3 a 4 litros de água por dia. A urina deve ser sair clara, translúcida como água.

O processo de aclimatação é inibido pela desidratação e consumo de medicamentos depressores do sistema nervoso central. Portanto é preciso evitar o consumo de álcool e medicamentos antidepressivos/tranqüilizantes. Durante o sono a nossa respiração diminui e isso leva a uma piora dos sintomas, sendo melhor realizar atividades de baixa intensidade do que dormir durante o repouso.

Na altitude, para uma correta aclimatação, também é recomendado uma dieta rica em carboidratos (mais de 70% das calorias devem ter origem nessa fonte). Não é por menos que a dieta nos acampamentos base são quase que basicamente algum tipo de massa (geralmente uma sopa quente) com um pouco de proteína.


CLASSIFICAÇÃO DA AMS


A Doença Aguda de Montanha ou AMS (do inglês Acute Mountain Sickness) é comum em grandes altitudes. Em altitudes acima de 10.000 pés (3.048 metros), 75% das pessoas terão sintomas. A ocorrência de AMS depende da elevação, da taxa de subida e da suscetibilidade individual. Muitas pessoas terão AMS leve durante o processo de aclimatação. Os sintomas geralmente começam 12-24 horas após a chegada à altitude e começam a diminuir de gravidade por volta do terceiro dia. Os sintomas da AMS leve são dores de cabeça, tonturas, fadiga, falta de ar, perda de apetite, náuseas, distúrbios do sono e um quadro geral sensação de mal-estar. Os sintomas tendem a piorar à noite e quando o impulso respiratório diminui. 

A AMS leve não interfere com a atividade normal e desde que os sintomas sejam leves, e apenas um incômodo, a ascensão pode continuar a uma taxa moderada. Ao caminhar, é essencial que comunique quaisquer sintomas de doença imediatamente a outras pessoas. AMS é considerado um problema neurológico causado por alterações no sistema nervoso central e é basicamente uma forma leve de edema cerebral de alta altitude.

Já a AMS moderada inclui forte dor de cabeça (não aliviada por medicamentos), náuseas e vômitos, aumentando fraqueza/fadiga, falta de ar e diminuição da coordenação (ataxia). A atividade normal é difícil, embora a pessoa ainda possa andar por conta própria. Nesta fase, apenas medicamentos avançados ou a descida pode reverter o problema. Descer até 70-100 metros pode ajudar e uma melhoria definitiva será vista descendo 305-610 metros. 24 horas na altitude mais baixa resultarão em melhorias significativas e a pessoa deve permanecer dessa forma até que os sintomas tenham diminuído (até 3 dias). Nesse ponto, a pessoa se aclimata aquela altitude e somente então pode começar a subir novamente. O melhor teste para AMS moderada é fazer a pessoa “andar em linha reta” do calcanhar aos dedos dos pés. Assim como um teste de sobriedade, uma pessoa com ataxia não consegue andar em linha reta. Esta é uma indicação clara de que a descida imediata é obrigatória. É importante fazer com que a pessoa desça antes que a ataxia chegue ao ponto em que ela não consiga mais andar por conta própria.

AMS grave se apresenta como um aumento dos sintomas já mencionados como falta de respiração em repouso, incapacidade de andar, diminuição do estado mental e acúmulo de líquido nos pulmões. Requer descida imediata para altitudes mais baixas (610-1.220 metros). Existem duas outras formas graves de doença de altitude: Edema Cerebral de Alta Altitude (ing.: High Altitude Cerebral Edema ou HACE) e Edema Pulmonar de Alta Altitude  (ing.: High Altitude Pulmonary Edema ou HAPE). Ambos acontecem com menos frequência, especialmente para aqueles que estão devidamente aclimatados. Quando ocorrem geralmente é devido a uma ascensão muito rápida ou permanência demorada em altitudes extremas. A falta de oxigênio resulta no vazamento de fluido através das paredes dos capilares para os pulmões ou o cérebro. 

O HAPE resulta do acúmulo de líquido nos pulmões. O fluido nos pulmões impede a troca efetiva de oxigênio. O nível de oxigênio na corrente sanguínea diminui e isso pode levar à cianose, função cerebral prejudicada e morte. Os sintomas incluem falta de ar, mesmo em repouso sensação de "aperto no peito”, fadiga acentuada, sensação de sufocação iminente à noite, fraqueza e tosse produtiva persistente (trazendo um fluido branco, aquoso ou espumoso). A confusão e o comportamento irracional são sinais de que oxigênio insuficiente está afetando as funções cerebrais. Um teste é verificar o tempo de recuperação após esforço: se a sua frequência cardíaca e respiratória normalmente diminuem em X segundos após o exercício, mas na altitude o seu tempo de recuperação é muito maior, pode significar que o líquido está se acumulando nos pulmões. Em casos de HAPE, a descida imediata é uma medida necessária para salvar vidas (610-1.220 metros). Qualquer pessoa que sofre de HAPE deve ser evacuada para um centro médico.

HACE é o resultado do inchaço do tecido cerebral devido ao vazamento de fluido. Os sintomas podem incluir dor de cabeça, perda de coordenação (ataxia), fraqueza e diminuição dos níveis de consciência (incluindo desorientação, perda de memória, alucinações, comportamento psicótico e coma). Geralmente ocorre após uma semana ou mais em grandes altitudes. Casos graves podem levar à morte se não forem tratados rapidamente. A descida imediata é uma medida necessária para salvar vidas (610-1.220 metros). Existem alguns medicamentos que podem ser prescritos para tratamento no campo, mas isso requer que você tenha o treinamento adequado para o seu uso. Qualquer pessoa que sofra de HACE deve ser evacuada a uma instalação médica.


MEDICAÇÕES PARA EVITAR E TRATAR A AMS


As medicações mais comuns para o mal de altitude são: Acetazolamide (Diamox) é um medicamento utilizado no Brasil para o tratamento de glaucoma, edema e epilepsia, principalmente, também age deixando a sua respiração mais rápida e minimizando assim os sintomas causados pela pouca oxigenação. Especialmente útil a noite, ocasião que a freqüência respiratória diminui. Deve ser iniciado 24h antes de ir para a altitude e continuar por pelo menos 5 dias. A dose inicial recomendada pela Himalayan Rescue Association Medical Clinic é de 125 mg de 12/12 horas. Indivíduos alérgicos a sulfas não devem tomar essa medicação.

Outra medicação muito importante na prevenção da Doença Aguda de Montanha é a dexametasona. Recomenda-se a dose de 4mg de 12/12 horas durante o início da ascensão. Entretanto, é necessário cautela na sua utilização por se tratar de um corticóide. Pode ser utilizado concomitante ao diamox, entretanto, é importante salientar que ambos os medicamentos devem ser prescritos por um médico devido a possibilidade de efeitos colaterais. Procure orientação junto a um médico ou farmacêutico.


Medicações recomendadas pela Himalayan Rescue Association Medical Clinic e as suas respectivas doses. Algumas classes de analgésicos podem ser utilizados concomitantes a essas medicações mas sempre é importante conversar com o seu médico ou farmacêutico sobre a possibilidade de interação medicamentosa e reação adversa. 

Outras medicações facilmente encontradas nas mochilas dos montanhistas: ibuprofeno (eficaz no alívio da dor de cabeça da altitude), nifedipino (diminui rapidamente a pressão da artéria pulmonar e alivia o HAPE), Imosec ® e sais Hidraflex ® (útil para a diarréia do viajante).

Respirar oxigênio reduz os efeitos das doenças da altitude e é por essa razão que ascensões acima de 8000 metros é comum a utilização de garrafas de oxigênio.

Há ainda muito conhecimento técnico de grande valor sobre AMS e compartilharei aqui na medida do possível. Peço que se inscreva no Blog para ser informado a cada novo texto publicado. 

 

FONTE

Curtis R. Outdoor Action Program: Princeton University (1995) 

*Burtscher M and Koch R. Effects of Pre-acclimatization Applying the ‘‘Climb High and Sleep Low’’ Maxim: An Example of Rapid but Safe Ascent to Extreme Altitude. Journal of Human Performance in Extreme Environments (2016)

 .

terça-feira, 7 de setembro de 2021

HUAYNA POTOSI (6088m) - Dicas valiosas e a minha experiência nessa montanha.

Olá amigos do blog. 

O post de hoje é voltado para você que está pensando em escalar a montanha Huayna Potosi, famosa e muito popular por ser conhecida como “os 6000 metros mais fácil de todos”. Entretanto, já vou adiantando que de fácil ela não tem nada e é uma grande inverdade que o seu cume é conquistado apenas em uma trilha simples, que dispensa conhecimento técnico.

Na verdade há um trecho técnico, que se encontra no meio da via, em que você precisa escalar uma parede de gelo íngreme de ~30m por cima de uma grande e sinistra fenda. Esse trecho é chamado de Pala Chica.




Treino de escalada em gelo no glaciar próximo ao acampamento base de Passo Zongo (4700m). Etapa fundamental para poder superar Pala Chica.

Mas há ainda dois trechos bem complicados: um no início e outro no final.

No início você tem que passar por uma parede de rocha com gelo pontual. Esse trecho é bem exposto e uma queda ali pode ser fatal (quando inexperiente, comum escorregar na passada mesmo com bota dupla). O detalhe principal é que não há nenhum tipo de segurança nessa etapa e a dica é fazê-lo já com crampons (o que permite você fugir das rochas e buscar maior estabilidade no gelo).

Já o final ou Pala Grande, embora não tão técnico quanto o Pala Chica é de longe o mais difícil. A essa altura você já está morto de cansado, sem ar e com fome (frio não, pois o sol já deve estar nascendo a essa altura) e já bem perto do cume. A dificuldade é subir um pedaço muito íngreme da montanha por uma trilha muito estreita e pouco definida. Nessa parte é comum ter que abrir caminho por penitentes de gelo e se desequilibrar.

O cume do Huayna Potosi é algo surreal. É estreito (não cabe muitas pessoas por lá, o que deve gerar uma fila de espera nas imediações nos dias e horários de grande fluxo) e em formato de um trono de gelo. A sensação de conquistá-lo é algo inesquecível, indescritível e certamente viciante.


Cume do Huayna Potosi: Após longo descanso consegui abrir os olhos para a foto.

O que a faz ter essa fama de montanha fácil entre os montanhistas é o fato de ser pouco técnica e possuir algumas facilidades. Talvez a principal dessas "facilidades" seja os dois acampamentos fixos que possui (acampamento base a 4700m e o acampamento alto a 5200m). Esses oferecem toda estrutura como cama, cozinha, água, luz, banheiro e assim facilitam toda a logística e o principal: economizam peso na sua mochila.


No acampamento base (4700m) com as cholitas que cuidavam de nós.

Para alcançar o cume é indispensável uma boa aclimatação e uma ótima agência/guia. 

Quanto a aclimatação, o ideal é de 9 a 12 dias se você for de avião (partindo do nível do mar) direto para os 3600m de La Paz. Eu cheguei dia 6 de agosto em La Paz e com 4 dias fui tentar a sorte no Pico Austria (5350m) e Pequeño Alpamayo (5370m). Nesses 4 dias que antecederam a primeira incursão eu sofri com o “soroche” ou mal de altitude ainda no primeiro dia (tontura, dor de cabeça e lentidão nos movimentos), resolvendo esse problema com CEFALIV® de 8/8h, para nos três dias seguintes sofrer com a diarréia do viajante (esse problema só consegui resolver com 2 comprimidos de IMOSEC em dose única, mesmo seguindo todo o protocolo de reidratação oral desde o início). Entretanto, o pior mesmo foi a perda da apetite que praticamente me obrigava a comer forçado. Somente após o nono dia é que comecei a sentir alguma fome e realmente me sentir bem.

Fui muito fraco para a primeira etapa (pela diarréia dos dias anteriores e pela falta de apetite) e consegui completar o Pico Austria com muito esforço, ficando exausto para atacar o Pequeño Alpamayo na madrugada do dia seguinte. Com pouco tempo para descansar partimos rumo ao cume do Pequeño Alpamayo. O guia estava com uma pressa terrível nesse dia e não demonstrava nenhuma estímulo em me levar ao cume. Desisti, quase chegando ao cume do Tarija (5240m), ao descobrir que a minha água havia congelado na mangueira da mochila e o guia não carregava água alguma com ele (seis horas de caminhada e escalada sem água não dá né amigo).





Conquista do cume do Pico Austria (5350m). Uma ótima forma de aclimatação. Recomendo um dia de descanso após para somente então tentar uma outra montanha.

Então a outra dica é não economize na hora de escolher a agência e principalmente o guia. Peça a descrição do trajeto, com etapas, estude cada trecho (escalar às cegas é sempre mais complicado), deixe bem claro que o guia que for contigo terá que ter muita paciência. Para os nativos a altitude não é problema, mas pra você certamente será... deixe isso bem claro. Avaliar o atendimento e testar/analisar a agência antes de abrir a carteira é fundamental nesse processo. Saiba negociar com coerência, pesquise bastante sobre a agência nas avaliações da net (Facebook, Tripadvisor...) e fuja de agências que possuem vários nomes (trocam de nomes quando mal avaliados).

Voltei chateado para La Paz tanto com o guia como com a agência e também comigo. Estava até pensando em desistir do Huayna Potosi: o único e grande motivo da minha ida a La Paz. Ficou um sentimento de que haviam me empurrado algumas montanhas com a desculpa de me aclimatar mas na verdade não se importavam nem um pouco em conseguir me levar até o cume (parecia que quanto antes eu desistisse... melhor pra eles). No entanto, fui entender mais tarde que esse insucesso do Pequeño Alpamayo é que me levaria a ter êxito no cume do Huayna Potosi. Sabia que esse meu desanimo não duraria muito e me sentindo melhor fisicamente, com energias, iria voltar a pensar nesse meu grande desafio.

Com 9 dias comecei a sentir fome novamente, mesmo que ainda de forma discreta. Já não sentia tanto cansaço e nem tão pouco tontura ou dor de cabeça (meu corpo estava se adaptando a altitude). 

Logo comecei a pesquisar outras agências e encontrei uma que me fez acreditar que seria possível: a South America Climbing. Um ótimo atendimento no pré-venda, promessa de um dos seus melhores guias credenciados pela UIAGM... me pareceu que queriam o cume tanto quanto eu. Vi então que o meu sonho, a razão de toda essa viagem, era possível SIM.

Partimos rumo a Huayna Potosi dia 20 e atacamos o cume dia 22/08/2021. Foi “despacito” ou devagar em bom português, que conquistei o tão sonhado objetivo. A calma e perseverança foram o combustível para o sucesso dessa tão difícil empreitada.


Com o meu objeto de desejo ao fundo e muitas incertezas na cabeça.

Muitas vezes me peguei dormindo andando na escuridão daquela madrugada (saímos a 1:00am). Foram inúmeras, constantes e breves as pausas que fazíamos pelo caminho. Me faltava ar, energia, mas me sentia confortável e tranquilo. Entretanto, a tranquilidade me abandonava sempre que precisava fazer algum esforço diferente daquele de um passo após o outro. Foram muitas as vezes que a minha pior versão me dominou fazendo-me pensar em desistir... até mesmo quando tinha o cume ao alcance dos olhos. 

Faltando somente 20 minutos para ser conquistado, já não aguentava mais, a minha bateria estava em 5%. Aquele pensamento persistente em desistir insistia em me convencer... mas não conseguiu. Fui meio que me arrastando e passando cada último obstáculo em uma lentidão mórbida... mas me superei! Agradeço muito ao meu guia Andres Choque  e a toda equipe da South America Climbing.

Essa foto tirei logo que cheguei no cume. O guia pediu para eu sentar (o cume tem formato de um trono de gelo) que ele tiraria algumas fotos... dormi de tão exausto que estava (reparem os olhos fechados que não conseguiam abrir).




Soy cumbrero!!!

Agora é começar a pensar nos próximos passos e quem sabe também tentar voltar ao cume do Huayna Potosi novamente... pois agora tenho um carinho especial por ela (meu primeiro 6000m).

A Bolívia é um país seguro, barato e com uma boa estrutura de montanha. Não tive problema com imigração ou qualquer departamento do país. Fui muito bem recebido e acolhido. Certamente esse será um dos meus locais preferidos para a prática em alta montanha.

Quanto a atingir o cume de uma alta montanha sempre irei me lembrar da frase que o meu guia nessa aventura me disse:

“Há pessoas que nunca subiram uma montanha na vida e conseguem o cume do Huayna enquanto montanhistas profissionais já tentaram e não conseguiram. Não há lógica nisso.”

Sendo assim, até a próxima aventura!!! 


Imagem com as rotas do Huayna Potosi (6088m). Do acampamento base até o acampamento alto é uma caminhada simples, exigindo apenas condicionamento físico e aclimatação. A partir do acampamento alto você encontrará 3 etapas de maior dificuldade, exigindo maior atenção. 

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terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Bento Gonçalves, a capital brasileira do vinho (guia de viagem) - Jan de 2021

Diante da situação do covid, com voos internacionais suspenso em muitos países e também uma cirurgia recente que fiz no braço direito (impossibilitado de exercita-lo por 4 meses), resolvi fazer um roteiro mais clássico de turismo mas sem perder a ideologia do montanhismo. 

Sim! Montanhismo é muito mais do que escalar rocha, alcançar cumes ou descer a montanha de ski. É toda uma cultura que envolve gastronomia, harmonização, música, moda, arte, arquitetura e etc. 

Nesse sentido, a serra gaúcha certamente é uma das regiões do Brasil com mais afinidade com todo esse estilo de vida, destacando-se a cidade de Bento Gonçalves dentre tantas outras.

Bento, como é carinhosamente chamada, além ser conhecida pela oferta de uma completa gama de atividades radicais, é também um centro de alta gastronomia regional/nacional, indo da cozinha colonial a sofisticada.

Entretanto, o principal destaque dessa cidade é a sua produção de vinho: a maior produtora dessa bebida em nível nacional. Há um destaque para a produção da cepa merlot, inclusive com premiação internacional.

O vinho é uma bebida que, de tão complexa, assume "status" cultural próprio, associando-se não apenas a ideologia do montanhismo, mas também a diversas outras culturas e tradições.

Local definido, roteiro pronto e reservas em mãos, partimos da praia de Rainha do Mar (litoral gaúcho onde passamos alguns dias) em direção a Bento Gonçalves (~3 horas). Nesse passeio eu, meu filho e minha namorada, chegamos a pousada localizada no coração da cidade, com reserva para 5 pernoites.

Logo ao chegar, guardamos as malas e partimos para conhecer o centro da cidade. Fomos a pé em um caminho cheio de ladeiras, lombas e morros (bom exercício para as pernas). Visitamos as duas igrejas principais (bela arquitetura em ambas), o chafariz de vinho (na realidade é água com corante), os dois únicos shoppings e algumas praças.






Com apenas 121.803 habitantes em 2020, Bento Gonçalves é uma típica cidade de interior com toda estrutura de uma grande cidade!!! 

Ao cair da noite resolvemos ir jantar fondue no sofisticado Chamonix. O lugar é super aconchegante, com músicas francesas e italianas ao fundo, comida muito boa (em boa quantidade também) e serviço excepcional... mas prepare o seu bolso. Os valores são exageradamente alto (se quiser economizar a dica é dar um pulo em Gramado, cidade vizinha, que lá há opções muito mais baratas de fondue)... aliás, comer em Bento é algo que pode sair muito, mas muito caro mesmo se você não pesquisar previamente as opções. 






Restaurante Chamonix... impecável nos detalhes... mas com o preço exagerado. Prepare o bolso!!!

Há excelentes opções por menos da metade do preço e com igual (ou até superior) qualidade. Um jantar ou almoço colonial pode variar de R$50,00 a R$100,00/pessoa (alguns casos até mais). Não vá por impulso (a não ser que esteja podendo) ou contenha quem assim o faz pois, a intenção é curtir a cidade e não ficar mais pobre (risos). 

Esta discrepância de valores e super valorização de alguns serviços/bens de consumo é o ponto fraco não apenas de Bento, mas também de toda a região da Serra Gaúcha. Pesquise, pesquise e pesquise...

No dia seguinte acordamos, tomamos café e logo fomos conhecer as vinícolas. Começamos pela Aurora, que possui uma sede logo no Centro da Cidade. Chegamos sem agendamento e após aguardar cerca de 10 minutos a guia veio nos receber para então começarmos o passeio. 

Fomos apresentados ao interior da empresa, aos processos de vinificação, um pouco de sua história, seguimos para uma ótima degustação e finalizando na loja da fábrica. Tudo sem custo algum... exceto os vinhos e sucos que compramos. Interessante é que a Vinícola Aurora é a única em forma de cooperativa ou seja, não é de uma única família e sim de várias.








Cooperativa Aurora... bem no centro da cidade. Foto 1: tanques de produção, foto2: museu, foto 3: vinhos especiais ainda nas barricas, foto 4: degustação, foto 4: fonte de Baco.


Como estávamos eu e o meu filho bebendo, a minha companheira Paula ficou de motorista pois ela não bebe (para nossa sorte he, he, he). 

Então iniciamos a nossa maratona de degustação, querendo experimentar todas as vinícolas em um só dia rsss. Íamos parando nas vinícolas pelo caminho, sem programação ou agendamento. Nos deparamos com uma sequência de ótimas vinícolas: Peculiare, Marco Luigi, Terragnolo, Titton e por fim Dom Candido. Depois de seis degustações em um único dia já estávamos "borrachos" e não conseguíamos mais diferenciar os vinhos da última vinícola visitada (a atendente disse que havíamos batido o recorde pois não conhecia quem havia visitado mais de 4 vinícolas no mesmo dia). 

Os vinhos que gostei mais nesse dia foram (em ordem decrescente): Terragnolo, Peculiare, Marco Luigi, Aurora, Dom Candido e Titton. Os melhores atendimentos para degustação ficaram para (em ordem decrescente): Aurora, Marco Luigi, Dom Candido, Peculiare, Titton e Terragnolo. 













Maratona de degustação no primeiro dia. Fotos 1, 2, 3 e 4: vinícola Peculiare. Demais fotos vinícola Marco Luigi.

Finalizamos almoçando um belo rodízio de pizzas no Pizza Place. O lugar é muito bonito, agradável, grande variedade de pizzas e tudo por um preço justo (digo não abusivo). Sugestão é chegar cedo (o que fizemos) pois depois há fila de espera.


Depois de uma maratona de degustação foi hora de encher a barriga e voltar para a pousada descansar!!!

Dia seguinte, de café tomado, seguimos direto para a Vinícola Miolo. A visita é cobrada e dá direito a um passeio guiado, finalizando com degustação e visita a loja da fabrica.

Começamos cedo e como a minha companheira não bebe (mas teve que pagar assim mesmo), tivemos de revezar, eu e o meu filho, a sua taça de degustação (não há valor diferenciado para pessoas que não bebem).

Como a aquisição dos ingressos na Miolo te possibilitam descontos na loja própria deles, compramos alguns vinhos com um ótimo preço (o desconto não serve para sucos e souvenires... outra bola fora).






Vinícola Miolo. Uma gigante na produção nacional de vinho.

De lá saímos e fomos parar na Vinícola Michele Carraro onde pagamos a metade do valor da Miolo para uma degustação que foi duas vezes maior. Sim, tomamos tantos vinhos que não tínhamos mais paladar para uma terceira degustação naquele dia. Tá aí uma degustação que você pode reservar apenas um dia para fazer pois eles não economizam na hora de te servir.

Vinícola Michele Carraro.

Seguimos a procura de um lugar bom e barato para almoçarmos e encontramos o Zandonai. A comida é muito simples mas o preço compensa (não queria pagar R$100,00 por pessoa naquele dia, o Chamonix me descapitalizou rsss). Dali, já cansados, seguimos para a pousada descansar e dar uma folga para o fígado.

A noite jantamos no restaurante Devereda. Indico muito esse lugar pois a comida é muito boa e o preço é imbatível. Além disso o atendimento impecável e ambiente maravilhoso. Me arrependi de não ter conhecido antes... certamente o melhor entre os melhores de Bento. Lá escolhi um merlot da vinícola Batistello e esse harmonizou de forma singular ao rodízio colonial servido, farto em carnes, massa, polenta, batatas e queijo.


Devereda... esse é o lugar.

Voltamos para a pousada satisfeitos e já pensando no dia seguinte.

Naquela que seria o nosso último dia em Bento (no dia seguinte tomaríamos o café da manhã e faríamos o check out para írmos embora). Decidimos fazer o caminho de pedras, visitando antes a Batistello para adquirir algumas garrafas daquele maravilhoso merlot da noite anterior. 

Fomos muito bem atendidos na Batistello. Comprei um merlot e ancelota (casta que conheci no vale dos vinhedos e gostei muito) e seguimos para o caminho de pedras... mas então fomos supreendidos por uma pane no carro. Bah (como dizem os gaúchos quando surpreendidos), problema no carro na estrada do vale dos vinhedos "não é brinquedo". Devido a esse imprevisto tivemos de antecipar o nosso retorno a Porto Alegre... mas tudo valeu muito a pena.

Certamente esse é um passeio para se fazer sempre... iria voltar!!! Abraços e até o próximo post.

...

"Resumo da ópera:"

A estadia em Bento me fez ver a cidade de uma maneira mais real e menos utópica. É uma cidade muito pequena mas demasiadamente desenvolvida para o seu tamanho. Possui empresas de nível nacional e que devem ter o seu faturamento na ordem dos milhões. Por essa razão a cidade possui um comércio muito movimentado e  com intenso fluxo de caminhões.

A grande sacada foi a forte indústria da uva e vinho ter transformado a região em local de turismo enófilo-gastronômico de alta qualidade/sofisticação. Isso certamente contribui positivamente para a qualidade de vida dos moradores da região. Vale ressaltar também o turismo de aventura que se vê em raras cidades do Brasil (clique aqui).

O povo de uma maneira geral é educado e a cidade muito limpa e organizada. Para uma visita deve-se pesquisar bem antes pois há uma diferença de valores enormes entre os serviços. 

Se for conhecer, vá de carro. A dica é: alugue um carro na capital Porto Alegre caso venha de avião. Não deixe para alugar lá pois só há duas locadoras na cidade e com poucos veículos.

No mais é só curtir o passeio que vale muito, mas muito mesmo!!!

Abraço e até a próxima.