quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Entendendo o Mal da Altitude: um resumo de tudo que você precisa saber!!!

É inegável que todos acham deslumbrante a visão que se tem no cume de uma alta montanha e é justamente essa contemplação que leva muitos a buscarem essa experiência. Entretanto é muito importante entender que a escalada em altitude possui riscos e um dos principais, se não o principal, é a hipobaropatia.


Deslumbrante nascer do sol a aproximados 6000m de altitude na ascensão do Huayna Potosi (Bolívia). Para conseguir imagens como essa é necessário todo um processo de aclimatação.

A hipobaropatia, também é conhecida como mal da montanha, doença da montanha, doença da altitude, doença da montanha ou ainda doença aguda da montanha, é causada pela diminuição da disponibilidade de oxigênio em altas altitudes. Entendê-la é fundamental para quem deseja praticar algum esporte em altitudes muito elevadas.

A altitude é classificada em baixas (300 – 1.000 metros) de altura, média (1.000 e 2.438 metros), alta (2.438 – 3.658 metros), muito alta (3.658 – 5.500 meters) e extremamente alta (˃5.500). A maioria das pessoas pode subir de 1.500 a 2.000 metros em um dia sem problemas, mas cerca de 20% das pessoas que sobem a 2.500 metros e 40% das pessoas que sobem a 3.000 metros sofrem de alguma forma de doença da altitude. Entretanto, se você já esteve antes acima de 3500 metros sem apresentar qualquer tipo de complicação é muito provável que não terá problema quando retornar, desde que bem aclimatado.


Nesse contexto é importante entender o que causa o mal de altitude. Em nível do mar a pressão barométrica é de 760 mmHg e medida que se sobe esse valor vai diminuindo ao ponto que a 3600 m é de apenas 483 mmHg. Sendo assim em cada respiração inala-se quase 40% menos O2, uma vez que a concentração desse permanece a mesma no ar atmosférico (21%) mas com menor pressão as partículas tendem a se dissipar.

Para suprir essa falta de oxigênio o nosso corpo aumenta a freqüência respiratória e conseqüentemente ao aumento de O2 na corrente sanguínea. Entretanto essa hiperventilação não é suficiente para deixar os níveis de O2 iguais aqueles que o indivíduo apresenta ao nível do mar e como a necessidade por oxigênio no organismo não muda diante do esforço físico o corpo precisa se adaptar a essa menor oferta. Ainda por razões não bem compreendidas a altitude elevada e baixa pressão atmosférica fazem com que os fluídos vazem dos capilares, podendo ocasionar acúmulo de fluídos nos pulmões e cérebro. Tais complicações são extremamente graves para a saúde, principalmente em locais inóspitos e de difícil acesso.

A principal causa para a doença de altitude é subir muito rápido, sem dar tempo para o seu corpo se adaptar a menor oferta de oxigênio. Dar tempo para o seu corpo se adaptar a essas condições é chamado no montanhismo de aclimatação e geralmente leva de 1 a 3 dias. Por exemplo, se você sobe a 3000 m e permanece ali por alguns dias o seu corpo irá se acostumar a essa altitude. Subindo depois a 3600 m o seu corpo terá que se adaptar novamente. Sendo assim, a cada nova ascensão o seu corpo irá ter que fazer uma nova adaptação para a cada vez menor pressão atmosférica e conseqüente menor oferta de O2. Enquanto nesse contexto o corpo de uma pessoa precisa se adaptar a menor oferta de ar, em contrapartida, também irá precisar de ainda mais O2 caso esteja realizando uma atividade física intensa como escalar uma alta montanha.

As principais mudanças que ocorrem no corpo para que ele possa trabalhar com a menor oferta de O2 são:


👉 Aumento da freqüência respiratória

👉 Aumento da freqüência cardíaca

👉 Aumento da pressão nas artérias pulmonares

👉 Aumento da produção de glóbulos vermelhos

👉 Aumento da produção de enzimas que facilitam a liberação da hemoglobina das hemácias para os tecidos


A prevenção para o mal de altitude segue basicamente duas linhas principais: aclimatação e uso de medicação preventiva.

Em uma correta aclimatação:

Se voar do nível do mar para uma altitude de 3000 m é recomendado que não faça esforço físico durante as primeiras 24 horas, subindo 300 m por dia e tirando um dia de descanso a cada 900 m ganho.


“Climb High and sleep low” ou escale alto e durma baixo é um termo muito comum no montanhismo e muito eficiente para se evitar as complicações causadas pela doença de montanha. É basicamente subir cerca de 300 m em um dia para depois retornar ao ponto anterior e pernoitar em menor altitude.


*Projeto para subir uma montanha de 7000 metros baseado no modelo "suba alto e durma baixo". Os pontilhados é ascensão feita por carro, linhas vermelhas é o período de repouso em altitude e as linhas pretas verticais correspondem a escalada. Escala da altitude em metros.

“Don’t go up until symptoms go down” ou seja, não suba até os sintomas diminuírem. Caso apresente sintomas moderados de mal de montanha não deve ganhar altitude até que desapareçam e se os sintomas aumentarem é preciso descer.

Beba muito líquido. A aclimatação é acompanhada de perda de fluídos corporais e por isso é preciso beber de 3 a 4 litros de água por dia. A urina deve ser sair clara, translúcida como água.

O processo de aclimatação é inibido pela desidratação e consumo de medicamentos depressores do sistema nervoso central. Portanto é preciso evitar o consumo de álcool e medicamentos antidepressivos/tranqüilizantes. Durante o sono a nossa respiração diminui e isso leva a uma piora dos sintomas, sendo melhor realizar atividades de baixa intensidade do que dormir durante o repouso.

Na altitude, para uma correta aclimatação, também é recomendado uma dieta rica em carboidratos (mais de 70% das calorias devem ter origem nessa fonte). Não é por menos que a dieta nos acampamentos base são quase que basicamente algum tipo de massa (geralmente uma sopa quente) com um pouco de proteína.


CLASSIFICAÇÃO DA AMS


A Doença Aguda de Montanha ou AMS (do inglês Acute Mountain Sickness) é comum em grandes altitudes. Em altitudes acima de 10.000 pés (3.048 metros), 75% das pessoas terão sintomas. A ocorrência de AMS depende da elevação, da taxa de subida e da suscetibilidade individual. Muitas pessoas terão AMS leve durante o processo de aclimatação. Os sintomas geralmente começam 12-24 horas após a chegada à altitude e começam a diminuir de gravidade por volta do terceiro dia. Os sintomas da AMS leve são dores de cabeça, tonturas, fadiga, falta de ar, perda de apetite, náuseas, distúrbios do sono e um quadro geral sensação de mal-estar. Os sintomas tendem a piorar à noite e quando o impulso respiratório diminui. 

A AMS leve não interfere com a atividade normal e desde que os sintomas sejam leves, e apenas um incômodo, a ascensão pode continuar a uma taxa moderada. Ao caminhar, é essencial que comunique quaisquer sintomas de doença imediatamente a outras pessoas. AMS é considerado um problema neurológico causado por alterações no sistema nervoso central e é basicamente uma forma leve de edema cerebral de alta altitude.

Já a AMS moderada inclui forte dor de cabeça (não aliviada por medicamentos), náuseas e vômitos, aumentando fraqueza/fadiga, falta de ar e diminuição da coordenação (ataxia). A atividade normal é difícil, embora a pessoa ainda possa andar por conta própria. Nesta fase, apenas medicamentos avançados ou a descida pode reverter o problema. Descer até 70-100 metros pode ajudar e uma melhoria definitiva será vista descendo 305-610 metros. 24 horas na altitude mais baixa resultarão em melhorias significativas e a pessoa deve permanecer dessa forma até que os sintomas tenham diminuído (até 3 dias). Nesse ponto, a pessoa se aclimata aquela altitude e somente então pode começar a subir novamente. O melhor teste para AMS moderada é fazer a pessoa “andar em linha reta” do calcanhar aos dedos dos pés. Assim como um teste de sobriedade, uma pessoa com ataxia não consegue andar em linha reta. Esta é uma indicação clara de que a descida imediata é obrigatória. É importante fazer com que a pessoa desça antes que a ataxia chegue ao ponto em que ela não consiga mais andar por conta própria.

AMS grave se apresenta como um aumento dos sintomas já mencionados como falta de respiração em repouso, incapacidade de andar, diminuição do estado mental e acúmulo de líquido nos pulmões. Requer descida imediata para altitudes mais baixas (610-1.220 metros). Existem duas outras formas graves de doença de altitude: Edema Cerebral de Alta Altitude (ing.: High Altitude Cerebral Edema ou HACE) e Edema Pulmonar de Alta Altitude  (ing.: High Altitude Pulmonary Edema ou HAPE). Ambos acontecem com menos frequência, especialmente para aqueles que estão devidamente aclimatados. Quando ocorrem geralmente é devido a uma ascensão muito rápida ou permanência demorada em altitudes extremas. A falta de oxigênio resulta no vazamento de fluido através das paredes dos capilares para os pulmões ou o cérebro. 

O HAPE resulta do acúmulo de líquido nos pulmões. O fluido nos pulmões impede a troca efetiva de oxigênio. O nível de oxigênio na corrente sanguínea diminui e isso pode levar à cianose, função cerebral prejudicada e morte. Os sintomas incluem falta de ar, mesmo em repouso sensação de "aperto no peito”, fadiga acentuada, sensação de sufocação iminente à noite, fraqueza e tosse produtiva persistente (trazendo um fluido branco, aquoso ou espumoso). A confusão e o comportamento irracional são sinais de que oxigênio insuficiente está afetando as funções cerebrais. Um teste é verificar o tempo de recuperação após esforço: se a sua frequência cardíaca e respiratória normalmente diminuem em X segundos após o exercício, mas na altitude o seu tempo de recuperação é muito maior, pode significar que o líquido está se acumulando nos pulmões. Em casos de HAPE, a descida imediata é uma medida necessária para salvar vidas (610-1.220 metros). Qualquer pessoa que sofre de HAPE deve ser evacuada para um centro médico.

HACE é o resultado do inchaço do tecido cerebral devido ao vazamento de fluido. Os sintomas podem incluir dor de cabeça, perda de coordenação (ataxia), fraqueza e diminuição dos níveis de consciência (incluindo desorientação, perda de memória, alucinações, comportamento psicótico e coma). Geralmente ocorre após uma semana ou mais em grandes altitudes. Casos graves podem levar à morte se não forem tratados rapidamente. A descida imediata é uma medida necessária para salvar vidas (610-1.220 metros). Existem alguns medicamentos que podem ser prescritos para tratamento no campo, mas isso requer que você tenha o treinamento adequado para o seu uso. Qualquer pessoa que sofra de HACE deve ser evacuada a uma instalação médica.


MEDICAÇÕES PARA EVITAR E TRATAR A AMS


As medicações mais comuns para o mal de altitude são: Acetazolamide (Diamox) é um medicamento utilizado no Brasil para o tratamento de glaucoma, edema e epilepsia, principalmente, também age deixando a sua respiração mais rápida e minimizando assim os sintomas causados pela pouca oxigenação. Especialmente útil a noite, ocasião que a freqüência respiratória diminui. Deve ser iniciado 24h antes de ir para a altitude e continuar por pelo menos 5 dias. A dose inicial recomendada pela Himalayan Rescue Association Medical Clinic é de 125 mg de 12/12 horas. Indivíduos alérgicos a sulfas não devem tomar essa medicação.

Outra medicação muito importante na prevenção da Doença Aguda de Montanha é a dexametasona. Recomenda-se a dose de 4mg de 12/12 horas durante o início da ascensão. Entretanto, é necessário cautela na sua utilização por se tratar de um corticóide. Pode ser utilizado concomitante ao diamox, entretanto, é importante salientar que ambos os medicamentos devem ser prescritos por um médico devido a possibilidade de efeitos colaterais. Procure orientação junto a um médico ou farmacêutico.


Medicações recomendadas pela Himalayan Rescue Association Medical Clinic e as suas respectivas doses. Algumas classes de analgésicos podem ser utilizados concomitantes a essas medicações mas sempre é importante conversar com o seu médico ou farmacêutico sobre a possibilidade de interação medicamentosa e reação adversa. 

Outras medicações facilmente encontradas nas mochilas dos montanhistas: ibuprofeno (eficaz no alívio da dor de cabeça da altitude), nifedipino (diminui rapidamente a pressão da artéria pulmonar e alivia o HAPE), Imosec ® e sais Hidraflex ® (útil para a diarréia do viajante).

Respirar oxigênio reduz os efeitos das doenças da altitude e é por essa razão que ascensões acima de 8000 metros é comum a utilização de garrafas de oxigênio.

Há ainda muito conhecimento técnico de grande valor sobre AMS e compartilharei aqui na medida do possível. Peço que se inscreva no Blog para ser informado a cada novo texto publicado. 

 

FONTE

Curtis R. Outdoor Action Program: Princeton University (1995) 

*Burtscher M and Koch R. Effects of Pre-acclimatization Applying the ‘‘Climb High and Sleep Low’’ Maxim: An Example of Rapid but Safe Ascent to Extreme Altitude. Journal of Human Performance in Extreme Environments (2016)

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