sábado, 9 de julho de 2022

Perdendo as raízes ou apenas criando outras?

 Estou eu deixando de ser capixaba?

Já faz cerca de 5 anos (...ou seriam 6?!) que faço residência no Estado do Rio Grande do Sul e por mais que eu tenha relutado, já é comum me pegar usando o típico "Báh" com todo tipo de entonação. Graças à cultura local eu aprendi a elaborar um bom assado, me especializei em vinhos e já quase não me lembro de como é o sabor de uma verdadeira moqueca. Pelo menos esse último ainda é o meu prato preferido.

Sim! Eu ainda não perdi as minhas raízes que tanto luto para manter vivendo aqui em um Estado com uma cultura tão forte e um povo apaixonado pelas cores de sua bandeira. Ainda sinto falta de ir a nada até a Ilha do Socó em Camburi, dos pés descalços na areia quente e daquele sol escaldando que me queimava a pele, deixando me da cor de um tomate e descascando feito cobra nos dias seguintes.

O meu DNA jamais me deixará esquecer de onde cresci e quem eu sou. Tenho todo orgulho disso, mas também tenho uma impagável gratidão por tudo que o Rio Grande do Sul me agregou. Olha que já morei em muitos outros lugares e nenhum outro me influenciou tão positivamente quanto aqui.

Entretanto, mesmo cada vez mais embebido no gauches, pelos motivos óbvios eu sei que não sou daqui e isso exacerba uma inexplicável aflição em meu já cansado coração. Essa necessidade louca, de ás vezes, querer prosseguir, partir e quem sabe retornar, jamais poderá ser encarada como ingratidão. E como poderia eu ser ingrato a um lugar que, como disse, tanto me ensinou e um povo que tão bem me acolheu.

Sim, sou um capixaba com muito mais cultura do que antes, desprendido de divisas e fronteiras, com a experiência de poucos, uma maturidade muito melhor do que antes e a serenidade de entender que a vida é uma teia de incertezas que se modela de acordo com as nossas decisões.

Sim, sou grato em estar cada dia mais construindo uma versão cada vez mais cosmopolita de quem eu sou e nos caminhos para onde vou.


Foto: Eu naquela que foi a primeira grande atividade outdoor no RS. Recém chegado ao Estado, ainda ludibriado pela sensação de que seria uma experiência curta e que pouco mudaria a minha forma de viver.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

Pico Paraná (1877m). O que você precisa saber antes de ir!!!

O verão nunca é uma boa estação para subir uma montanha. É uma estação chuvosa e com perigo iminente de raios. Entretanto, com a vinda do meu filho, que todo ano vem visitar o paizão dele, essa seria a única data para termos o nosso momento em uma aventura outdoor. A escolha foi uma montanha que há muito tempo eu  queria conhecer: o Pico Paraná (a maior da Região Sul do Brasil).

Aqui no sul chove muito nesse período e o risco de alerta laranja para tempestade comum nessa época ora se torna vermelho com frequência. Acompanhando a previsão do tempo quase que diariamente eis que nos surge uma janela de três dias de sol para o Pico Paraná. Essa montanha é linda, base de treino no Brasil para grandes ascensões. Embora não seja muito alta (1877m) ela é difícil, exige muito esforço físico e paradas pelo caminho para pernoitar.

Ainda estávamos um pouco debilitados devido a uma forte gripe que nos acometeu, mas isso não foi suficiente para nos fazer desistir. Preparamos rapidamente as mochilas de véspera e no outro dia partimos (23/01/22) rumo a Curitiba. 

Como saímos quase as 10h da manhã e pegamos um congestionamento horrível na estrada, chegamos na capital paranaense por volta das 19h. Fizemos a reserva, ainda no caminho, de um hotel e lá pernoitamos na chegada a cidade. Dia seguinte (24/01/22) tomamos café e partimos em direção Fazenda Pico Paraná onde está o local de camping e início da trilha que leva ao cume.

A Fazenda Pico Paraná é uma propriedade particular que dá acesso ao Pico Paraná e montanhas do entorno. É um lugar muito legal, o proprietário é uma pessoa muito simpática e hospitaleira. O preço é muito justo... pagamos R$10,00 por pessoa pelo direito de acampar por 48 horas, com chuveiro elétrico e banheiro. Tem uma cantina que serve pastel e algumas bebidas gelada. Deixarei o contato do responsável e informação de como chegar no final do post.

Chegamos por volta das 10 horas, nos apresentamos, recebemos as orientações, interagimos um pouco com o pessoal do camping e seguimos direto para o Pico Paraná (PP). Legal é que a fazenda possui inúmeros cachorros e eles se revezam escolhendo quem irão acompanhar durante TODA trilha. Sim, o que nos acompanhou (um belo cãozinho de porte médio de cor preta) as vezes sumia na trilha para nos encontrar mais na frente (principalmente nos pontos de parada) e dormiu ao lado da nossa barraca (incrível). Claro que esse serviço de guia tinha um preço que era dividir a nossa comida com ele!!! Nada mais que justo uma vez que ele ia "limpando" o caminho para nós.




Foto 1: um cogumelo gigante pelo caminho... trilha com muitas surpresas. Foto 2: Eu e o meu filho fazendo uma das muitas paradas para descanso. Foto 3: a parte boa da trilha.


A subida começa íngreme e com aspecto de uma trilha normal... logo começam a surgir raízes, pedras, valas, cordas e outras dificuldades extremas que exigem noções de escalada e rapel. A medida que você vai progredindo a dificuldade vai aumentando e o caminho oscila entre descidas e subidas o tempo todo. Quando você pensa que não tem mais como piorar... a coisa piora, e muito.


Subida extenuante mas que as vezes lhe permite o prazer de uma visão magnífica como essa.


Existem dois pontos para descanso que são aqueles em que você precisa fazer a escolha de qual será a sua opção de trilha. Um primeiro ponto em que ou você segue no sentido Itapiroca/PP ou no sentido Caratuva/Taipabuçu/Ferraria. Escolhendo o sentido Itapiroca/PP. Após esse trevo você seguirá por caminhos tortuosos até encontrar outro trevo em que você fará a escolha entre o Pico Paraná ou Itapiroca. Seguindo pelo PP você andará muito, mas muito mesmo, até chegar naquilo que eu considerei o mais difícil de toda a ida: a escalada em dois lances de uma via ferrata. Já estávamos super cansados e ter que subir por essa via, sem segurança, com mochila e barraca nas costas foi o auge do sofrimento. Superando isso você irá encontrar água e logo após o acampamento 1 (A1).



Primeiro ponto de bifurcação. Aqui e mais adiante é preciso escolher o caminho que se pretende seguir de acordo com a montanha desejada.


Já era algo depois das 16 horas e nós já estávamos muito cansados. A ambição de acampar no acampamento 2 (A2) era o que nos motivava mas a questão era que estava ficando tarde e não tínhamos a menor ideia de quanto faltava para alcançarmos o A2. A solução foi acampar na trilha mesmo, entre o A1 e A2.


A velha e forte barraca armada antes da chegada da noite.


A dica é: vá com tempo e acampe no A1, reserve o dia seguinte para descansar e se reabastecer de água na fonte que fica um pouco antes. Somente então siga para o A2, acampe novamente e no dia seguinte dê um "tiro" logo cedo pro cume.

Claro que fizemos tudo errado, pois era a nossa primeira vez lá. Descansamos de um dia pro outro entre o A1 e A2, deixamos a barraca montada e fizemos o ataque ao cume logo de madrugada (amanhece antes das 6h - verão). Nossa água acabou quando enfim começamos a escalar o PP especificamente. Desespero pois em cada parada nosso corpo (principalmente a boca que fica muito seca) implorava por água. A neblina tomava tudo e já não era possível ver muita coisa a nossa frente. Isso aumentava o perigo da atividade uma vez que os lances finais são rochas enormes e com fendas que cabem mais de uma pessoa dentro. É preciso passar esse obstáculo escalando e pulando-as.

Ao final a sensação de dever cumprido foi o que ficou pois a forte neblina não nos deixou ver nada a dois metros a nossa frente. Começamos a retornar, chamamos pelo nosso cão guia (que havia sumido e retornou meio que chorando) e a essa altura o desespero por água já tomava conta da nossa razão. Chegamos ao ponto em que estava a nossa barraca e a desmontamos de qualquer jeito, com pressa por encontrar alguma fonte de água e medo do mal tempo (a previsão de tempo para aquele dia era incerta e apontava chuva ocasional para aquela tarde).








As melhores fotos que conseguimos tirar no Pico Paraná. Fora isso tudo encoberto por nuvens que não lhe permitia ver além de 2 ou 3 metros a sua frente. Definitivamente o verão não é a melhor e mais segura temporada para se ir ao PP.


Rapidamente encontramos o A1 e a tão procurada fonte de água que fica logo depois dele. Bebemos muita água gelada (sim, ela chega gelada) e enchemos os nossos litros. Mais tranquilos fomos progredindo e exausto precisei parar para tirar um cochilo de 20 minutos. Acordei energizado e seguimos... quanto mais perto mais distante parecia que estávamos. Andávamos, escalávamos rocha, raízes, passávamos por fendas e nada de chegar. 

Esse final foi sofrido e quando alcançamos o carro, já no camping, nos atiramos na grama, tiramos os sapatos, meias e agradecemos pela volta. Depois fomos na cabana da fazenda para nos deliciarmos com coca-cola gelada e pastel (um verdadeiro luxo). Montamos barraca no camping, tiramos o sono dos justos e retornamos cedo no outro dia para PoA.





Chegada sofrida (principalmente para os nossos pés) mas recompensadora. Ao final até o nosso cão guia estava muito cansado.


Parecer final sobre essa aventura:

É uma experiência única e incrível. A montanha, embora pequena, entra no hall das montanhas mais difíceis que já fiz. 

Faça com calma, tempo, curtindo todo os momentos. Se não tem experiência em pernoitar em montanha, não a faça sem a cia de alguém já experiente e de preferência que conheça essa montanha.

No mais é isso amigos. Espero que essa descrição tenha sido válida. Abraço e até mais.